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Tipos de memória do ser humano.


A memória é o substrato neurológico do conceito de tempo, delimitando passado, presente e futuro. Ela nos dá a percepção de continuidade, contexto e prognóstico, auxiliando-nos a tecer redes de lembranças que definem nossa biografia e nosso acervo individual de vivências, formando uma composição única e complexa de experiências (TELES, 2016, p. 7). Costuma-se analisar a memória em seus aspectos de fixação e de evocação.


A fixação é a capacidade de gravar os dados. A qualidade da fixação depende de uma série de fatores, como interesse, atenção, compreensão, conhecimento prévio, quantidade de informação, via sensorial envolvida na percepção, condições físicas e emocionais, semelhança e diferença dos dados, número de repetições no tempo e tempo durante o qual ocorre a fixação (CUNHA, 2007, p. 69). Nosso cérebro tende a atentar para o que é intenso, para o que é diferente ou gere alguma emoção (TELES, 2016, p. 88). A evocação é a capacidade de atualizar os dados já fixados.


O sistema de divisão segundo o tempo pode variar de autor para autor. Apresentarei um modelo conforme Teles (2016).


Memória de curtíssimo e de curto prazo


Muitas informações são necessárias apenas num determinado momento; sua não manutenção por um prazo longo evita perda energética, sobrecargas e desorganização (TELES, 2016, p. 182).


Teles (2016, p. 182) discorre que a memória de curtíssimo prazo também é conhecida como memória ultrarrápida ou memória de trabalho. A memória ultrarrápida mantém a informação por segundos ou minutos, lida com poucos estímulos e é extremamente fugaz, e não gera consolidação.


Já a memória de curto prazo trata-se daquela que armazenamos por minutos ou horas (até cerca de seis horas). Aqui já temos processos celulares de consolidação, ainda leves e limitados. A informação gera traços de consolidação capazes de resistir a alguns distratores (TELES, 2016, p. 182).


Memória de longo e de longuíssimo prazo


A memória de longo prazo refere-se ao armazenamento de informações durante um período prolongado. Uma memória do que aconteceu há algumas horas, dias ou décadas é um exemplo de memória de longo prazo (KANDEL et al., 2013 apud CARVALHO et al., 2020).


Carvalho et al. (2020) enuncia que, para além das referências sobre como ocorrem os processos de memória e aprendizagem, alguns estudiosos também buscavam identificar quais eram os circuitos neurais responsáveis por isso, separando os diferentes tipos de memória e as áreas cerebrais nas quais essas funções se manifestariam. A partir do século XX, surgiram algumas evidências sobre que regiões seriam responsáveis por essas capacidades.


Por meio do estudo em pacientes que sofreram algum tipo de lesão no lobo temporal - e, por isso, apresentavam incapacidade de armazenar novas informações -, e de pesquisas e exames de neuroimagem, foi evidenciado que o hipocampo (localizado no lobo temporal e que também faz parte do sistema límbico, que é a unidade responsável pelas emoções e comportamentos sociais) é uma região que tem influência na aprendizagem e na memória (MAPURUNGA; CARVALHO, 2018 apud CARVALHO et al., 2020).


A memória de longo prazo humana é praticamente ilimitada. Ela possibilita que a pessoa se lembre de rimas da infância, significados e grafias de palavras que raramente usa, o que comeu no almoço ontem, e assim por diante (GAZZANIGA e HEATHERTON, 2018, p. 275).


Teles (2016, p. 188) enuncia que a memória de longuíssimo prazo (remota) é parte da de longo prazo. Essas são memórias mais longínquas no tempo (anos ou décadas): aspectos da nossa biografia, onde nascemos, nossa formatura, histórias curiosas, dias atípicos, eventos marcantes e coisas desse nível. Podemos carregá-las por décadas e décadas, principalmente se houver componentes emocionais e se nos lembrarmos delas de tempos em tempos.


Memória em relação ao conteúdo


Conforme Teles (2016, p. 182), quando falamos em memórias de longo prazo (que dura mais de seis horas), podemos delimitar dois tipos básicos segundo seu conteúdo: a memória episódica (eventos de vida) e a memória semântica (conceitual).


Memória episódica


De acordo com Longoni (2003, p. 18), a memória episódica refere-se a eventos com um contexto espaço-temporal preciso. Permite-nos responder a perguntas do tipo: qual foi o último filme que você assistiu? A característica distintiva da memória episódica é que ela guarda as lembranças autorreferenciais, isto é, as que se referem à própria pessoa que lembra: por isso, comporta a sensação de reviver a experiência do próprio evento.


Assim, por exemplo, ao se lembrar do último filme que assistiu, a pessoa não se lembra somente do título e da trama do filme, mas também do local no qual assistiu e talvez da roupa que vestia e do que fez depois de assistir ao filme. As lembranças episódicas são a base da nossa identidade (LONGONI, 2003, p. 18).


Memória semântica


Longoni (2003, p. 18) enuncia que a memória semântica contém o conhecimento geral que possuímos do mundo: conceitos, regras, linguagem. A sua característica principal é que podemos usar os conhecimentos nela contidos sem nos referir às circunstâncias em que foram adquiridos.


Assim, "sabemos" que a área de um triângulo corresponde ao número da base vezes o da altura dividido por dois, sem nos lembrarmos de como e quando aprendemos tal regra. As informações contidas na memória semântica e na episódica têm em comum o fato de serem acessíveis à consciência da pessoa e de poderem ser comunicadas a outros (LONGONI, 2003, p. 18).


A memória em relação à capacidade de gerar lembrança e poder de automação


Nem toda memória gera uma lembrança consciente. Alguns aprendizados se consolidam no cérebro humano e não são evocados como memórias tradicionais, não são lembrados na concepção de evocação tradicional (TELES, 2016, p. 190).


Teles (2016, p. 190) discorre que isso delimita basicamente dois tipos de memória: uma declarativa (eu memorizo a experiência e a trago à tona na evocação consciente), e outra não declarativa (eu apresento um aprendizado, uma facilitação, sem uma lembrança).


Memória declarativa (explícita)


Por memória declarativa, entende-se todas aquelas informações que uma pessoa consegue descrever e sobre as quais é capaz de refletir, por exemplo, a lembrança de um evento específico, a data de aniversário de um amigo, o nome dos companheiros de escola, o conteúdo de uma conversa, os estudos que fez (LONGONI, 2003, p. 17).


Pode ser semântica (relacionada a significados) ou episódica (relacionada a eventos), conforme supracitado.


Memória não declarativa (implícita)


A memória não declarativa trata-se de um tipo muito peculiar de memória que não deixa rastro de lembrança e não depende das estruturas dos lobos temporais. Podemos dividi-la em dois grupos distintos: memória de procedimento e aprendizado moral e comportamental (TELES, 2016, p. 192).


A memória de procedimento diz respeito ao aprendizado de atos motores com maior ou menor complexidade, como aprender a tocar um instrumento musical, andar de bicicleta, amarrar o cadarço etc. O ato é repetido inúmeras vezes, até que o processo é automatizado pelo nosso cérebro e não precisamos mais pensar nele ou lembrá-lo conscientemente (TELES, 2016, p. 192).


Muitos autores consideram a existência de uma memória implícita moral, ética e comportamental. Isso significa que algumas vivências seriam capazes de modular nosso comportamento sem que nos lembremos especificamente delas, sem que possamos declarar explicitamente a origem desse comportamento (TELES, 2016, p. 193).




Referências Bibliográficas


CUNHA, J. A. Psicodiagnóstico – V. 5. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.


GAZZANIGA, M.; HALPERN, D.; HEATHERTON, T. Ciência psicológica. 5. ed. Trad. Maiza Ritomy Ide, Sandra Maria Mallmann da Rosa e Soraya Imon de Oliveira. Porto Alegre: Artmed, 2018.


LONGONI, A. M. A memória: nós somos o que lembramos e o que esquecemos. Trad. Euclides Balancin e Débora de Souza Balancin. São Paulo: Edições Loyola, 2003.


CARVALHO, G. A. et al. Memória de longo prazo. In: PARREIRA, R. C.; RESENDE, R. R.; PINTO, C. X. (Org.). Memória. São Paulo: Blucher, 2020.


TELES, L. Antes que eu me esqueça: técnicas, hábitos e dicas para afiar a mente e aperfeiçoar a memória. São Paulo: Alaúde Editorial, 2016.



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