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Ambivalência (amor e ódio).

Ambivalência é o estado emocional em que a pessoa é atraída para direções psicológicas opostas (afirmação-negação, aceitação-rejeição, amor-ódio), gerando um estado de impasse mental (CABRAL, 2006). A ambivalência foi relacionada a uma aquisição no desenvolvimento emocional por Winnicott.


Cabral (2006) cita a relação que a ambivalência pode ter com a depressão clássica através deste escrito de Harry G.: "A culpa psicopatológica, por se odiar alguém a quem também se ama, converte o ódio pelo objeto em ódio pelo eu, até que toda a energia parece ficar absorvida na autotortura e a personalidade parece mergulhar em estado paralisante, no que diz respeito a suas atividades externas.”


Leader diz que é inegável que a criança vivencia raiva e ódio pelo pai ou pela mãe a quem ama. E este autor pergunta: e será esta a raiz de tais temas na depressão maníaca?


A sintomatologia obsessiva, com suas procrastinações, rituais e dúvidas, mostra que a proximidade entre o amor e o ódio, entre a preservação e a aniquilação, não pode ser satisfatoriamente resolvida. Incapaz de escolher, a pessoa constrói sintomas que mantêm o conflito numa espécie de estase, na qual os desejos hostis costumam ser mantidos fora da consciência, mas retornam nos rituais e ideias compulsivos. A solicitude exagerada do obsessivo tanto esconde quanto carrega o vetor da destruição (LEADER, 2015).


A depressão maníaca envolve uma separação mais extrema entre amor e ódio, e o esforço de evitar danos às pessoas queridas — ou a negação da própria responsabilidade nisso — talvez esteja por trás do episódio maníaco (LEADER, 2015).


Quando uma mãe alimenta um bebê, troca-lhe a roupa, cuida dele, o acaricia, lhe manifesta a sua ternura, fala com ele, brinca com ele, o bebê sente um profundo contentamento. Mas ela não pode sempre satisfazer, constantemente e de imediato, suas necessidades. Portanto, mesmo cumulado de afeição, o bebê experimenta às vezes o intolerável, a angústia, a tristeza, a cólera, o ressentimento (RIALLAND, 1997, p. 32).


Amor quando os desejos são satisfeitos, ódio quando não se atende à expectativa. Esses sentimentos se aliam desde os primeiros dias do nascimento, tal como luz e sombra da mesma pulsão: a necessidade (RIALLAND, 1997, p. 32).


Conforme Rialland (1997, p. 33), o inconsciente da criança é uma esponja, um receptáculo dos inconscientes que o cercam, e em seu psiquismo se gravam, alternadamente, amor passional e ódio igualmente intenso.


De acordo com Leader (2015), embora os primeiros estudos sobre os sentimentos ambivalentes tenham tendido a enfatizar o fator quantitativo — quanto ódio havia —, eles deixaram escapar o fato crucial de que a importância maior do ódio se dá quando ele entra em conflito com um ideal. A criança que agride o pai ou a mãe, ou que bate num irmão, só pode se sentir culpada e com raiva dela mesma quando registra que o comportamento violento significa a perda da imagem ideal que ela quer ter para os pais e, portanto, o risco de perder o amor deles.




O ódio sublimado nos consolida (NASIO, p. 92).

O ódio pode ser um veneno que se toma desejando que faça mal a outra pessoa (CORTELLA).

Para nos separar daquele amor que nos unia àquele que nos deixou, é necessário que no momento experimentemos um pouco de ódio (DUNKER).

O ódio pode prender uma pessoa até à morte àquele a quem ela quer destruir (NASIO, p. 92).




Segundo Afgoustidis (1991, p. 7), a ambivalência foi introduzida na psicologia por Bleuler, que a considerava nos domínios afetivo, intelectual e volitivo, conferindo-lhe o estatuto de principal sintoma da esquizofrenia. Freud conserva apenas o seu sentido afetivo, reconhecendo nela uma conjunção de amor e de ódio, em especial na relação de transferência.


Freud expôs abertamente, com Moisés e o Monoteísmo, a ambivalência amor-ódio que era, a seu ver, sintomática da “relação com o pai”. E essa ambivalência remete, é claro, à função da proibição do incesto, sustentada pelo pai no mundo judaico-cristão (ROUDINESCO, 1998, p. 540).


Na dissertação “Melancolia: da perda do objeto ao luto impossível em Freud e André Green”, Calheiros (2014) diz que, em Totem e Tabu, Freud (1913) considera que a ambivalência consiste na existência simultânea de amor e ódio com relação ao mesmo objeto, estando sempre presente em maior ou menor grau na disposição dos indivíduos.


Na obra O Mal-estar na Civilização, Freud (1920) destaca um conflito devido à ambivalência representando uma luta entre o amor e ódio, isto é, entre as pulsões de vida e as pulsões de destruição e morte. Destaca também o sentimento de culpa como expressão de tensão entre estas duas tendências opostas. Esse conflito devido à ambivalência tem um papel fundamental nas neuroses e na melancolia (CALHEIROS, 2014).


Na obra Psicologia das Massas e Análise do Eu, Freud considera que não só o amor como também o ódio constitui um fator de unidade do grupo, a hostilidade em relação aos que não fazem parte do grupo manifesta-se através da intolerância: no fundo, toda religião é igualmente uma religião de amor por todos aqueles que ela engloba e tendem à crueldade e à intolerância em relação àqueles que não pertencem a ela.


Freud considera que é a identificação do indivíduo com o líder e a identificação entre os membros do grupo que criam coesão de um grupo, e a perda dessa ligação afetiva é a causa de sua dissolução.


A identificação é ambivalente desde o início: pode tornar-se expressão de ternura com tanta facilidade quanto um desejo de afastamento de alguém. Comporta-se como um derivado da primeira fase de organização da libido, da fase oral, em que o objeto que prezamos e pelo qual ansiamos é assimilado pela ingestão, sendo dessa maneira aniquilado como tal (FREUD, 1921 apud CALHEIROS, 2014).


A ambivalência trata-se de um dos traços regularmente presentes nas situações psíquicas abordadas pela psicanálise, desde as constelações sucessivas da organização libidinal, os estágios passando pelos estados de ciúme ou de luto, até as raízes subjetivas do tabu e dos interditos culturais (AFGOUSTIDIS, 1991, p. 7).


Conforme citado por Afgoustidis (1991, p. 7), coube a Karl Abraham traçar a curva genética da ambivalência, que é fraca no estágio oral primitivo, crescente quando do surgimento de um sadismo oral, culminando ao longo do estágio anal, antes de sofrer, segundo ele, nova redução na fase genital.


Nas patologias narcísicas como parece ser o caso da melancolia, a substituição do amor do objeto por uma identificação é um mecanismo fundamental (CALHEIROS, 2014). Freud (1917 apud CALHEIROS, 2014) pontua que esse é um movimento regressivo, tendo em vista que a identificação é a fase preliminar de eleição do objeto e, estando a libido na fase oral do seu desenvolvimento, manifesta-se de forma ambivalente.


Conforme Leite Paz (2014), o eu ama o objeto, enquanto que o superego odeia o mesmo objeto através do eu cindido. É, pois, na forma de autoacusação que o melancólico expressa a sua desmedida: é uma existência simultânea de amor e ódio contra um objeto perdido, mas imerso em si.


A instância crítica, depois nomeada de supereu, manifesta-se com requintes de crueldade, esmagando o eu sob a pressão da culpa e encontrando, nesse dinamismo, alguma forma, ainda que paradoxal, de satisfação (LEITE PAZ, 2014).


A melancolia, portanto, “por um lado [...] é reação à perda real do objeto de amor, mas, além disso, está comprometida com uma condição que falta no luto normal ou que, quando ocorre, o converte em luto patológico” (FREUD, 1917/2011, p. 65 apud LEITE PAZ, 2014).


Ela é, pois, um luto inconcluso: reluta e não passa. Na linguagem de Leader, “debaixo dos sentimentos depressivos estava um luto não resolvido [...]” (2011, p.31 apud LEITE PAZ, 2014).


À luz de Freud, existe, por parte do ser melancólico, um deleite no autotormento. “O automartírio claramente prazeroso na melancolia” (FREUD, 1914-1916/2010, p. 184 apud LEITE PAZ, 2014).



Referências bibliográficas



AFGOUSTIDIS, Dimitri. A psicanálise. São Paulo: Unimarco/Loyola, 1991.


CABRAL, Álvaro; NICK, Eva. Dicionário técnico de psicologia. 14. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.


CALHEIROS, M. Melancolia: da perda do objeto ao luto impossível em Freud e André Green. (Dissertação de Mestrado em Psicologia) - Universidade de Brasília, Brasília, 2014. Disponível em: <https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/17141/1/2014_SandraMariaVit%C3%B3riaCalheiros.pdf>. Acesso em: 8 jan. 2020.


LEADER, Darian. Simplesmente bipolar. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de janeiro: Zahar, 2015.


LEITE PAZ, J. G. Da perda não elaborada: a melancolia em Sigmund Freud. São Carlos. Anais do seminário dos estudantes de pós-graduação em filosofia da UFSCar, 2014.


NASIO, Juan-David. Um psicanalista no divã. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.


RIALLAND, Chantal. A família que vive em nós. Tradução: Maria Stela Gonçalves; Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Loyola, 1997.


ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. Dicionário de psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira: Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.



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