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A dinâmica da transferência.

O relacionamento emocional de Breuer e Anna O. apresentava o que Breuer mais tarde denominou de transferência positiva, isto é, ela transferiu seus sentimentos pelo pai para o médico. Essa transferência teve a ajuda da grande semelhança física entre o pai e o médico (SCHULTZ, 2009).


De acordo com Freud (1912/2010), aquele cuja necessidade de amor não é completamente satisfeita pela realidade se voltará para toda pessoa nova com expectativas libidinais, e é bem provável que as duas porções de sua libido, tanto a capaz de consciência quanto a inconsciente, tenham participação nessa atitude. É perfeitamente normal e compreensível que o investimento libidinal de uma pessoa em parte insatisfeita, mantido esperançosamente em prontidão, volte-se para a pessoa do psicanalista.


Além de suceder conforme a imago paterna, pode suceder conforme a imago materna, do irmão, etc.


Na clínica psicoterápica com pacientes idosos, por exemplo, o psicoterapeuta ocupa na transferência o lugar de um filho, de um neto ou de pessoas queridas já falecidas. Em relação à contratransferência, o psicoterapeuta vai ao encontro das angústias de seu próprio envelhecimento. Além de sentimentos de angústia e mesmo de impotência diante do envelhecimento e da morte de seus pais e avós (REIS FILHO e SANTOS, 2007 apud RODRIGUES et al., 2013)..


Em 1912, no texto A Dinâmica da Transferência, primeiro texto exclusivamente dedicado a essa questão, Freud distinguiu a transferência positiva, feita de ternura e amor, da transferência negativa, vetor de sentimentos hostis e agressivos. A estas se acrescentariam transferências mistas, que reproduzem os sentimentos ambivalentes da criança em relação aos pais (ROUDINESCO e PLON, 1944/1998).


A transferência para o psicanalista se configura para a resistência ao tratamento apenas na medida em que se trata de transferência negativa ou de transferência positiva de impulsos eróticos reprimidos. Caso a transferência seja “removida” por torná-la consciente, estará se desligando apenas, da pessoa do psicanalista, aqueles dois componentes do ato emocional; o outro componente, admissível à consciência e irrepreensível, persiste, constituindo o veículo de sucesso na psicanálise, exatamente como o é em outros métodos de tratamento (FREUD, 1912/2010).


De acordo com Roudinesco e Plon (1944/1998), todas as correntes do freudismo consideram a transferência essencial para o processo psicanalítico. Entretanto, conforme as escolas, as divergências são múltiplas quanto a seu lugar no tratamento, seu manejo pelo analista e o momento e os meios de sua dissociação. Embora Freud continuasse a ligar a resistência à transferência, colocou a ênfase na importância de sua utilização como via de acesso ao desejo inconsciente. No processo analítico, a transferência conduz o paciente a um reconhecimento da neurose infantil.


A situação psicoterápica possibilita a emergência do modo de funcionamento psíquico do paciente através da transferência, pela qual as várias cenas do traumatismo podem ser ressignificadas, pois na medida em que o paciente reativa os traços mnésicos, ele faz um trabalho de associação, de ligação, de simbolização, o que implica em dizer que, através da representação, o aparelho psíquico se mostra como um aparelho de transformação, tendo acesso ao simbólico que, como um objeto quebrado, encontra sua unidade (REIS FILHO e SANTOS, 2007 apud RODRIGUES et al., 2013).


Na configuração grupal, a transferência pode ser deslocada, de modo que os conteúdos inconscientes não são direcionados apenas para a figura do psicoterapeuta, mas podem se dissipar entre os diversos membros do grupo, de maneira que os integrantes são alvos de partes específicas da transferência de um paciente mais do que de outros. Portanto, a transferência no grupo é multilateral e cruzada, pois envolve um entrelaçamento constante de experiências de significado de todos os seus integrantes (BECHELLI e SANTOS, 2006 apud RODRIGUES et al., 2013).



Referências bibliográficas


FREUD, S. A dinâmica da transferência. In Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia ("O caso Schreber"), artigos sobre técnica e outros textos: Obras completas. Tradução e notas de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das letras. Vol. X. 2010.


RODRIGUES BRASIL, Kátia T. et al. A clínica do envelhecimento: desafios e reflexões para prática psicológica com idosos. Aletheia 40, p. 120-133, abr. 2013. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942013000100011. Acesso em 20 set. 2019.


ROUDINESCO, Elisabeth; PLON, Michel. 1944. Dicionário de psicanálise. Tradução: Vera Ribeiro, Lucy Magalhães; supervisão da edição brasileira: Marco Antonio Coutinho Jorge. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.


SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. Tradução de Suely Sonoe Murai Cuccio. São Paulo: Cengage Learning, 2009.

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